“Tudo está ligado, interligado, transligado”
Por mais incrível que pareça vivemos num tempo onde uma pandemia nos colocou a todos, sem distinção, no mesmo “lugar”, numa interdependência relacional, pois tudo está ligado, interligado, transligado.
O COVÍD19 não fez distinção de classes sociais, etnias, religiões,países, estados, política e partidos, culturas, mansões ou casebres, palácios ou templos... chegou e se alastrou em todo mundo, rapidamente.
Olhar nesta perspectiva pode nos apavorar, impactar, desanimar ou achar que não somos parte deste contexto. Ou buscar uma saída conjunta, por que estamos todos ligados e interligados nesta “Casa Comum”, nossa “mãe terra” e o nosso lindo planeta.
Somente o caminho da integração das relações nos levará a conscientizar-nos de que somos parte do todo, do planeta, do universo,uns dos outros e que, com todos os seres vivos, formamos a grande“Comunidade de Vida”[1]. Essa consciência Ecológica é início de uma jornada muito longa. Assim como a árvore gigante nasce de uma semente minúscula, a experiência seminal da contemplação da natureza e de todos os seres vivos interdependentes, nos tornará gradativamente seres ecológicos.
A linha divisória entre o mundo interior e o mundo exterior começa a diminuir à medida que nos aprofundamos na Ecoespiritualidade reconhecendo-nos, enquanto seres viventes, húmus=terra que,anda, pensa, ama, que canta... Em outras palavras, na unidade de um fluxo integrador da consciência de “ser parte”, começa o novo nas diferentes relações.
A narrativa da criação no livro do Gênesis, descreve que à medida que Deus criava, concluía que “tudo era bom” (Gn 1,10.12.18.21.25). O texto descreve a beleza do ato criador. O Deus Criador que sai do seu silêncio e se derrama, dá tudo de si, de sua beleza e bondade como presente.
E nós, estamos “no princípio” onde tudo é bom e belo, ou “no fim” com nostalgia de tudo o que era bom e belo? Talvez na “crise” onde precisamos recriar o belo, o amor, a ética, as novas relações de pertença, a capacidade de encantar-se, de contemplar, de compartilhar, de humanizar-se, ser húmus pronto para ser modelado e sentir-se parte da “Comunidade de Vida”. Não será este um caminho e superação e integração com o todo?
Alguns sintomas da crise ecológica que afeta todos os seres vivos: poluição do ar, da água e todos os efeitos dos agrotóxicos; poluição dos mares, envenenamento da água e os problemas dos diversos lixos; envenenamento da terra, a “revolução verde” e seus impasses: plantas transgênicas, destruição das florestas, queimadas e desertificação. E o que dizer da degradação da vida humana, dos povos nativos? Seria o ser humano responsável pelas catástrofes? O cristianismo ou as religiões?
O debate não pode ser só político, nem só tecnológico ou científico. Deve ser também sócio-ambiental, das “Espiritualidades” e religiões. Precisamos compreender e ressignificar o “criado”, a natureza, o universo e como comportar-nos e comprometer-nos com a VIDA em toda sua diversidade e amplidão.
- Se me sinto “não-separado” da natureza, iria empesteá-la e destruir os ecossistemas por uma neurose de progresso compulsivo? Iria contaminar as águas, poluir o ar, acabar com os rios e biomas, a biodiversidade, destruir nossa “Casa Comum”?
-Logo, se eu me sinto não-separada, colocaria fogo no meu irmão que dorme no banco na praça?
- Negaria acolher, escutar, alimentar alguém que me pede ajuda?
A Ecoespiritualidade é o caminho interior de ressignificação da “casa”. Da Carta da Terra podemos extrair e aplicar à Eco-espiritualidade este texto: “reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente do uso humano”[2]. Sim, reconhecer que somos seres inter-dependentes uns dos outros como os fios de uma grande teia de aranha. Se um fio se rompe toda a teia sofre o impacto. Na teia todos os fios são importantes e nenhum pode ser sem o outro, todos estão interligados e transligados. A multiplicidade de fios forma uma única e linda engenharia da teia.
Como na “teia” todos os fios estão interligados, na visão holística tudo adquire um novo sentido, respeito e cuidado a partir do momento que tomamos consciência de ser parte da totalidade e que o todo é parte de mim. E eu parte do todo.
Ressignificar a Espiritualidade tendo em vista os desafios pelos quais passa a VIDA e a MÃE-TERRA neste tempo de crise e pandemia, é buscar um modo novo de viver em harmonia com a totalidade das relações da casa, através do cuidado e do respeito com toda a “Comunidade de Vida”. Reconhecer nossa fonte originária de onde tudo provém -Deus Trindade, da qual buscamos aprender a vivência das relações.
Isto exige um compromisso ético, profético, social, político, nascido não somente da indignação, mas de uma profunda experiência do Deus da Vida, com todo o criado, que “vive e respira”sobre a face da terra.
A Espiritualidade é dom do Espírito. Ele cava em nosso interior a sede de Deus, suscita desejos profundos de vida plena para todos, provoca-nos a viver com ética, sensibilidade e cuidado; mergulha-nos na fonte do amor Trinitário e torna-nos seres ecológicos.
Talvez você esteja se perguntando: o que tudo isso tem a ver com a pandemiae o COVID19 que nos assola?
A vida e a autoconsciência da vida são interligadas. A Espiritualidade é a tomada de consciência da importância e do significado mais profundo da vida do planeta, do sentido da Casa Comum. Quero dizer da importância da Ecoespiritualidade para a “VIDA” integral. Sair do “centro”, do antropocentrismo e do antropoexclusivismo para uma consciência de pertença e “pericorese”
Tudo no universo se fez sem precisar de nós. Como queremos o senhorio da terra, dizendo-nos “proprietários”, “senhores”, destruindo, nos apropriando ou transformando tudo em caos? Depende de nós o futuro comum, nosso e de nossa querida Casa Comum: a Terra.
“Provai e vede como o Senhor é bom”. A contemplação é um caminho que nos abre internamente para o belo, o cuidado, a acolhida, o bem, o diálogo, às relações, o novo olhar, o sentido de pertença, reverência diante do mistério da vida, da alteridade, do Grande Outro - Deus Trindade.O convite é: Tira as sandálias, pois a terra onde pisamos é santa. Tira as sandálias do egoismo, da posse, da autossuficiência, do orgulho e da vaidade, do centralismo e do fechamento, pois o outro é espaço sagrado habitado por Deus. Tira tuas sandálias pois, a biodiversidade é sagrada, habitada, parte de sua vida e você da vida dela.
Parece que a mulher e o homem pós modernos perderam a direção da própria interioridade, da casa interior, da intimidade. Quem sabe perderam “as chaves”, esqueceram o “segredo” ou a “senha” que abre o coração; perderam-se no caminho encantador e sedutor que a pós modernidade lhes oferece. Tantas pessoas já não sabem responder perguntas existenciais como, quem sou eu? O que busco? Para onde vou? O que desejo?
Nunca o ser humano esteve tão “conectado” e tão solitário!... Muitos não conseguem mais encontrar o eixo gravitacional de sua vida. Outros vivem a “era do vazio” ou a “era do gelo”, da cultura “líquida”, onde relações, valores, amor, ética... se reduzem ao narcísico, ao consumismo, à superficialidade e descartabilidade...
Contemplando nossas Instituições Religiosas: como estamos e somos oikos, para nós mesmas/os, para a comunidade, para o povo? Ou somos apenas eco da síndrome da exterioridade, do vazio, do barulho, da administração eficiente, da “bolsa de valores”?
Qual “Virgens Prudentes” e “homens prudentes” trazemos ainda em nós o óleo precioso do silêncio, da convivência, da pertença, da alegria, da oração, do perdão, da compaixão, do cuidado, da solidariedade, da simplicidade, sobriedade e despojamento?
Desafios que se apresentam à todos/as nós, sem distinção:
Tirar o ser humano do centro, antropocentrismo e antropoexclusivismo. O humano é élo ético e não centro; é parte e não dono, é eco-relação e não único. É humano e divino.
Valorizar o dom da cooperação e não a lei da competição. Cuidar dos mais fracos, integrar o que está desintegrado e o que está perdido;
Crescer em generosidade, no amor, acolher o diferente, abrir espaços para o novo e para a vivência da mística do cuidado, criar redes de solidariedade, pois a Espiritualidade é o profundo do humano, é élo que une e reúne; é o dom mais precioso que a Trindade nos deu ao nos criar;
Integrar todas as coisas. O ser humano é microcosmo, parte do todo, do macrocosmo;
Ressacralizar as “casas”: o planeta, a natureza, o corpo como morada da Trindade, o coração como morada da alma.
Assumir um estilo de vida mais simples e despojado, como a natureza. Pois, “a sobriedade corta o mal pela raiz[3].
Convite Final:
A consciência de comunhão do ser humano com a totalidade da Criação, recoloca-nos diante de um antigo desafio, que Moisés colocava ao povo de Israel: “Vê que hoje te proponho a vida e felicidade, a morte e a desgraça... Hoje tomo como testemunhas contra vós o céu e a terra: foi a vida e a morte que pus diante de ti, a bênção e a maldição”(Dt 30, 15.19a). Encontramo-nos hoje diante de duas alternativas: escolher a vida ou o caos!
No versículo 19b,do texto acima,termina com um convite de Moisés ao povo:
“Escolha, portanto a vida, para que você e seus descendentes possam viver”!
Este é o meu convite para você!
Ir Helena T. Rech STS
Semana preparatória à Festa de Pentecostes, Maio/2020
E-mail para contato - irhelenasts@gmail.com
[1]Expressão da Carta da Terra.
[2] Carta da Terra, Princípios, p.17, item a, 3 No vocabulário da ecologia o termo “holismo”, que vem do grego, significa totalidade.
[3]Expressão do Teólogo Libânio, J.B.
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