
“Levante-se e desça à casa do oleiro” (Jr 18, 2).
Querida irmãs, querido irmão
Neste tempo de isolamento social e pandemia, escrevi quatro textos breves, partilhando com você aquilo que vou gestando no coração e contemplando na vida.
Venho lhe trazer um quinto texto para alimentar a sua, a nossa espiritualidade e dar um novo sentido ao tempo em que estamos recolhidas/os, em nossa casa, muito embora nosso pensamento e nosso coração “passeia”, “encontre pessoas”, planeje o pós pandemia...
Quero convidar você a dar “passeio” com sua imaginação, criatividade, seu desejo de algo novo. Sair do que nomeamos “rotina”, cansaço do “mesmo cotidiano”...
Procure um lugar tranqüilo e silencie sua mente, seu coração... Contemple seu “jardimsecreto”... Ouça no seu interior esta Palavra de Deus dirigida, hoje, à você:
“Levante-se e desça à casa do oleiro” (Jr 18, 2).
Os verbos do texto são uma ordem de Deus para o Profeta Jeremias e para você: “Levante-se e desça!”. Lembra do primeiro e segundo texto que escrevi sobre “Pandemia / travessia”, e lhe fiz o convite a “descer” para sua interioridade, lugar onde a vida mais bela nos espera e se revela? Este é o convite à Jeremias.
E Jeremias declara-se um homem seduzido por Deus: “Seduziste-me, Javé, e eu me deixei seduzir...” (Jr 20, 1). Comprometido com o seu povo e “seduzido” por Deus, Jeremias sempre é atento a voz de Deus. Contempla e busca compreender o que Deus lhe pede no seu cotidiano. No cotidiano, encontra-se o grande segredo para este tempo de pandemia: viver intensamente o cotidiano ‘em casa’, saber descer e deixar-se modelar pela Trindade Oleira.
A “cotidianidade” de nossa vida está tecida de coisas simples, “ordinárias”, nada de “extra-ordinário”. A maioria das pessoas vive o ordinário com o anonimato que ele envolve.
No entanto, no seio do ordinário deste “isolamento social” pode brotar uma mudança, uma transformação, quando nosso coração é capaz de ouvir, contemplar e abrir-se aos “toques” da Trindade. “Se às vezes, há um fastio na rotina, não raro ela revela um mistério insondável” (Claudio Van Balen).
Quando assumimos o nosso cotidiano ordinário e o vivificamos com injeções de criatividade (pode ser uma ótima vacina) ele se torna “lugar” das experiências mais profundas, e a experiência é a sabedoria da vida. A experiência de Deus no cotidiano, nas coisas mais simples nos revela que tudo é sagrado e digno de ser cuidado. O cotidiano está sempre grávido de utopias, de sonhos, de criatividade. Ele também nos incomoda ou acomoda, aliena ou nos faz mulheres e homens audazes e criativos. O cotidiano pode ser mesmice dia após dia. Vai depender de como escutamos e respondemos ao chamado de Deus Trindade.
Jeremias “escuta” e “obedece” ao chamado. Com paciência e ternura ele acolhe o que há de mais simples e cotidiano: “descer”, “entrar” na casa do Oleiro (que faz o mesmo trabalho todos os dias de forma simples, com unção e criatividade) e precisa “escutar” e “contemplar” para saber o que Javé quer lhe “revelar” no cotidiano trabalho do oleiro.
A experiência deste tempo de pandemia e isolamento, na “Dinâmica da Trindade Oleira”, não será algo parecido com o processo do Profeta Jeremias?
Somos capazes diante das “coisas normais”, penetrar na sua essência, profundidade, sentir um sabor diferente, redescobrir o sentido novo da simplicidade? Redescobrir-nos?
A Espiritualidade Trinitária é a Espiritualidade do cotidiano, que guarda o segredo e a força transformadora, capaz de despertar em nós espanto e admiração, apontando-nos um horizonte mais amplo e rico. Ela nos revela a presença do Amor da Trindade, amor eterno e absoluto do “nosso Amado”; amor que nos leva a praticas de justiça, solidariedade, comunhão, entrega e gratuidade para com todas as pessoas; mas com carinho especial, fazer-nos barro maleável nas mãos do Oleiro Divino.
A palavra dita a Jeremias - “Levanta-se e desça à casa do Oleiro” (Jr 18, 2), é o grande convite da Trindade para nós: “Levantar” e “Descer”...
E descendo Jeremias à casa do oleiro, eis que ele estava fazendo a sua obra sobre o torno. Como o vaso, que ele fazia, quebrou-se, tornou a fazer outro vaso. Então veio a palavra do Senhor, dizendo: “Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel”... assim estamos nós todos/as nas mãos da “Trindade Oleira”, que deseja nos modelar, fazer uma “obra nova” com sua arte e beleza, conforme seu sonho de amor e leveza.
As pessoas sempre querem subir. É a característica do nosso ego, da pós-modernidade: Ter – Poder - Aparecer... Tudo isso as pessoas buscam dizendo: “temos que subir na vida!” Ter bens materiais, poder e influência, imagem e prestígio. E para isso, quantos esforços fazem, alguns entram em situações e caminhos difíceis, pois a sua ambição cega e faz perder a direção. O vaso se quebra.
Deus deu duas ordens ao Profeta: LEVANTAR e DESCER. Levantar-se é tomar uma atitude. É dispor-se, é colocar-se em disponibilidade interior para descer e entrar na dinâmica da TRINDADE que sempre DESCE em nossa direção. Muitos até querem, mas não se dispõe. Sofremos hoje da “síndrome de Elias”: quando as lutas se levantam e os desafios aparecem, queremos fugir e desistir de tudo. Ao receber a ameaça de Jezabel, Elias foi para o deserto, deitou-se debaixo de um zimbro e pediu para morrer! Mas Deus mandou um anjo com pão e água, o qual lhe disse: Levanta-te e come... A vontade da Trindade é que nos levantemos e não nos prostremos diante dos desafios atuais.. Por isso, o anjo tocou novamente em Elias e lhe disse: “Levanta-te e come, porque o caminho te será muito longo!”
DESCE, é a mais difícil. Zaqueu preferiu SUBIR para ver Jesus, ao invés de colocar-se junto com o povo. Jesus viu Zaqueu e lhe diz: “desça depressa, Zaqueu, porque hoje preciso ficar em sua casa” (Lc 19, 5).
Descer em humildade e despojamento; esvaziar-se de nosso ego para poder caminhar. Descer na presença da Trindade, que habita nossa interioridade e esvaziar-se do “lixo” interior acumulado ao longo da vida. Descer na presença de Deus nas madrugadas, durante o dia, em todo tempo... descer é reconhecer-se “barro” nas mãos do “Oleiro Divino” que deseja nos modelar neste tempo de “re-colhimento” – fazer um “vaso novo”.
Convido você, individualmente, em comunidade ou em família a rezar o texto Jr 18, 1-10.
Dinâmica para a oração: Escolha um local tranqüilo, coloque a bíblia, uma vela, uma quantidade de argila que dê um pouco para cada participante da oração.
Ler o texto individualmente e sublinhas o que mais tocou;
Ler o texto no grupo, e partilhar uma frase do texto mais significativa para si;
Cada pessoa toma um pouco de argila e, em silencio contempla o ícone da “Trindade Oleira” (a baixo); vai rezando e modelando o que desejar tendo presente o texto, naquilo que nos ilumina neste tempo de pandemia e re-colhimento em casa.
No final todos colocam a sua “modelagem” ao redor da Palavra e cada um partilha o sentido de sua “obra de arte”, modelada sob o olhar da Trindade Oleira.
Concluir com a Oração que segue:

TRINDADE OLEIRA DE NOSSA VIDA
Trindade Oleira,
Toma este pobre e pequeno punhado de barro que sou.
Modela do teu jeito, modela segundo o que projetaste em teu coração.
Quero ser o que teu sonho de amor pensou desde sempre.
Purifica o barro, tira as impurezas que impedem de ser massa boa,
maleável e disponível em tuas mãos artistas.
Não importa se vai se quebrar, rachar, importa é ser obra de Tuas mãos oleiras.
Quero ser modelada à tua imagem.
Ter um coração humano, de barro, que pulse no ritmo do teu,
cheio de amor, do mais puro amor trinitário.
Quero pés de peregrina, mãos que derramem o perfume do Amado,
palavras que consolem, animem, coloquem de pé.
Quero ouvidos de discípula aprendiz de tua Palavra,
aprendiz dos gemidos, dos gritos, das palavras não pronunciadas.
Por favor, modela um colo bem grande!
espaço de aconchego, acolhida, carinho, colo para quem precisar.
Modela em mim olhos contemplativos, que vejam além...
Que percebam tuas chegadas na chegada dos pequenos,
Teus queridos, amados, preferidos...
Modela, modela, ó Trindade Oleira! Amém.
Texto e Oração[i]
Ir. Helena T. Rech STS
10/Junho/ 2020
[i] Os textos podem ser divulgados desde que tenham o nome da autora
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