Todo esforço precisa seu descanso, toda atividade pede uma parada. Não há tensão que não exija um relaxamento, nem atividade continuada que não peça uma recreação.
Os cansaços acabam nos revelando que em nossa vida ativa estamos amputando certas dimensões do humano. Precisamos de “paradas”, mas paradas com argumento interior. Elas devem ser algo assim como um retorno contemplativo, uma “re-flexão” em direção à raiz de nossas motivações. A vida tem necessidade de “con-sideração”, “avaliação”, “fundamentação”… Do contrário, ela perde densidade e, sobretudo, desperdiça sua própria beleza.
Assim, o descanso, em seu sentido nobre, impede que nos convertamos em meros trabalhadores estressados; ele nos arranca de nossa existência maquinal. O descanso permite sintonias profundas conosco mesmo e com a profundidade das circunstâncias habituais que fazem parte do nosso cenário cotidiano. Ele desperta uma predisposição pessoal que pode ser decisiva para redescobrir o valor e o sentido do cotidiano no qual voltamos a mergulhar. O descanso inspira, nos faz criativos, porque toca as profundezas de nós mesmos e das atividades rotineiras.
O descanso nos conserva humanos; ele ajuda a recuperar um ritmo de vida mais humanizante (recupera a pessoa e sua capacidade de estabelecer relações gratuitas com outras pessoas, com a natureza e seus ritmos…). Não basta simplesmente poder folgar; ter acesso ao verdadeiro descanso é recuperar o sentido da gratuidade das nossas atividades e que melhoram a vida e a convivência. O descanso pode ser um bom tempo para retomar a vida com mais liberdade e para realizar atividades mais humanizantes. Nesse sentido, o objetivo principal do descanso é recuperar nosso lugar e nossa condição de homens e mulheres, afastando de nós o endeusamento e as fantasias de onipotência. No descanso, voltamos a pisar a terra (húmus – humildade) para recuperar uma relação desinteressada e sadia com os outros, com o mundo e com Deus. Viver uma vida ativa descansadamente é viver com os pés na terra e contemplando as “coisas do alto”.
As palavras “repouso”, “descanso” e suas variantes tem, para Jesus, um sentido e um peso próprios. Jesus não é presença cansativa, pesada, impositiva; ao contrário, ao entrar em sintonia e comunhão com aqueles que suportam o fardo da opressão política e religiosa, Jesus os pacifica e os harmoniza. O único “jugo” de Jesus é o amor; e o amor não pesa, mas dá asas ao coração e desata as ricas possibilidades presentes no outro. O “fardo” de Jesus não trava a vida e se expressa no serviço aos outros.
Não é o fardo da obrigação, mas o da liberdade; não é o fardo da imposição mas o da oferta. O “jugo” de Jesus humaniza as pessoas porque está centrado na vida e não no ritualismo religioso. O descanso é o melhor em Jesus, o prazer da vida, a graciosidade da misericórdia, a celebração da sua presença no meio dos excluídos. O descanso de Jesus é sua presença pacificadora, acolhedora. E eis que o descanso d’Ele se abre para como oferta: “eu vos darei descanso”. Trata-se de um descanso tão amplo que podemos entrar nele. Ele nos envolve, nos atrai, enche-nos com a sua bênção. “Viver descansadamente” é encontrar um descanso, uma paz interior, uma quietude, uma consolação, uma satisfação na vida e nas atividades, e que tem sua raiz na comunhão com Deus que trabalha e descansa.
A vida do “contemplativo na ação” é uma vida ativa vivida “descansadamente”, ou seja, na presença de Deus, com o coração centrado n’Ele, fazendo somente Sua Vontade… Nesse sentido, o descanso não é um simples reabastecimento, mas uma regeneração na qual se recompõe a interioridade, o espírito criativo, a disposição de coração… O descanso não é uma “des-conexão” , senão uma “conexão” com aquilo que é o impulso fundamental de nossa vida cotidiana. E só no gratuito é que descansamos. Queiramos ou não, “descansamos” na medida em que ampliamos nosso mundo próximo. O lugar comum, o repetitivamente particular, a rotina normótica, nos esgota.
O olhar de curto alcance e os horizontes estreitos embotam o gosto pelas mesmas coisas cotidianas. Por sua própria dinâmica repetitiva e por suas limitações humanas inegáveis, a cotidianidade vicia nosso juízo, diminui nossa visão objetiva, mata a criatividade, apaga o elán vital… Os ares tornam-se rarefeitos e quase irrespiráveis ali onde tudo permanece dentro do ciclo infinito do “sempre foi assim” e o “sempre aqui”. Com isso, o descanso, como as demais dimensões de nossa vida, encontra seu lugar adequado a partir de nossa condição de filhos e filhas de Deus e seguidores de Jesus. Como cristãos, o descanso é a ocasião propícia para realçar “quem somos nós”, o que são os outros, e a primazia de Deus. Portanto, “tempo para ser”. O descanso verdadeiro tem a ver com uma certa “transgressão” do ritmo cotidiano e com um certo exercício de “universalização”, com uma amplitude do olhar… “Descansamos” quando descobrimos mundos novos e visões diferentes. O espírito humano não é exclusivamente sedentário: ele é mais humano na medida em que se move. Precisamos ter acesso a outras situações, a outros ambientes, a outras maneiras de conceber a vida, e experimentar então o verdadeiro tamanho de nossos desejos e de nossos sonhos. Precisamos conhecer outras referências, outros pontos de vista… Nossa identidade não se constrói somente por meio do domínio de nosso próprio mundo; desenvolve-se também quando acolhemos o diferente, nos abrimos ao novo… Desarmados de nossos pré-conceitos e de nossas falsas seguranças, o descanso nos faz estremecer diante da realidade que sempre nos surpreende. Texto bíblico: Mt 11,25-30 Na oração: O descanso é uma forma de relacionamento: ele pode ser compreendido como um momento privilegiado no qual cultivamos os valores da gratuidade: a alegria de fazer-se presente, o sabor da comunhão que realiza o maior prazer, o prazer de conviver, desfrutar com os outros as pequenas coisas, o serviço mútuo, a natural simplicidade, a sensibilidade despojada, a serenidade benfazeja… Nessa relação contemplativa e jubilosa consiste o descanso “cristificado”. Diga-me como você descansa e eu lhe direi como você trabalha e trata os outros”. Muitas vezes os outros são obrigados a pagar a fatura do nosso cansaço, do nosso ativismo.
Tornamo-nos “cansativos”. – Sua presença, pacifica o ambiente, harmoniza as pessoas…?